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Relatório preliminar aponta menor safra de vinho no estado em duas décadas, mas queda pode ajudar na precificação de excedente anterior
Por Eduardo do Valle, para Seu Dinheiro*
No final de 2024, os produtores de vinho do estado da Califórnia, nos Estados Unidos, estavam otimistas: o estado superara o calor recorde de um verão escaldante com uma queda de temperatura que anunciava uma colheita antecipada e promissora.
Não deixa de ser surpreendente, portanto, a notícia de que a colheita de uvas no estado no ano passado tenha caído mais de 22%, segundo dados preliminares de um relatório publicado há algumas semanas pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos.
De acordo com o report, a produção de uvas para vinho tinto e branco na Califórnia caiu de 3,685 milhões de toneladas em 2023 para 2,844 milhões de toneladas em 2024.
Audra Cooper, a diretora de corretagem de uvas na Turrentine Brokerage, afirma que a queda resultou nos menores números para o estado em 20 anos: "o setor não via uma safra tão baixa desde 2004".
Os rendimentos variam entre produtores e áreas. No entanto, é possível destacar quedas significativas, por exemplo, na safra de Cabernet Sauvignon, com baixa de 31% em relação a 2023 e de 22% comparada à média do estado nos últimos cinco anos.
Entre as áreas afetadas, o destaque vai para Central Coast, onde ficam algumas regiões produtoras como Santa Lucia e Santa Barbara. Por lá, a queda foi de 35% em relação a 2023 e 29% no comparativo com os últimos cinco anos.
Já a North Coast, que abriga famosas regiões produtoras como Sonoma e o Napa Valley, viu uma queda de 15% em relação a 2023 – embora a safra ainda tenha ficado 3% acima da média dos últimos cinco anos.
É de Napa Valley, na North Coast californiana, que saiu o segundo melhor vinho de 2024, no tradicional ranking com os 100 melhores rótulos da Wine Spectator. O Cabernet Sauvignon Beaulieu Vineyard Georges De Latour Private Reserve 2021 teve score 95 na avaliação. O custo da garrafa é avaliado em US$ 170 (R$ 979,15).
Um caso para otimismo
Enquanto a notícia da queda da safra apresenta números impressionantes, ela pode ter outra leitura, a depender do tipo do perfil do produtor consultado. É o que explica Lucas Foppa, diretor geral e enólogo fundador da Foppa & Ambrosi, vinícola de Garibaldi, Rio Grande do Sul, que desde 2021 expande as operações para Calistoga, no Napa Valley californiano.
“Esse relatório pode ser recebido de duas formas: uma mais alarmante e preocupante, para quem trabalha na base da pirâmide, e outra com certo otimismo, como um regulador de demanda”, diz Foppa.
“Os custos envolvidos na mão de obra no Vale de Napa são altos. Então às vezes a gente vê o produtor deixando de colher, deixando a uva no pé, pra justamente não ter mais prejuízo, já que ele tá super estocado.”
Assim, a baixa colheita serviria também como uma “regulação natural” de demanda, com a redução da produção e a valorização dos estoques daquilo que já era, de certa forma, de valor agregado. Ganha a indústria premium, que adiciona a exclusividade à precificação de sua garrafa.
É uma percepção alinhada ao que aponta um relatório publicado recentemente pelo Silicon Valley Bank (SVB).
De acordo com o report, dedicado à indústria de vinhos nos Estados Unidos, o perfil do consumidor estadunidense vem mudando recentemente, ao que o banco aponta como uma "mudança significativa" na indústria, que requer a primeira correção de estratégica baseada em demanda no setor em décadas.
Isso acontece em parte devido à queda do consumo da bebida entre os jovens consumidores, o que tem impulsionado inclusive uma alta entre os rótulos sem álcool ou com baixa gradação alcoólica.
Alinhados à realidade de uma região com superávit, como a indústria vinícola da Califórnia, os dados poderiam apontar para um equilíbrio no balanço com safras anteriores.
"Ainda que prejudicial aos produtores de Cabernet Sauvignon, essa queda pode ajudar a balancear o superávit de anos anteriores", afirma Audra Cooper, da Turrentine Brokerage. E o balanço ajudaria exatamente o produto destinado ao público premium.
Com 10% de sua produção alocada na Califórnia, Lucas Foppa acredita nisso – e aponta ainda a seu favor o fato de a safra 2024 ter sido de qualidade destacada: “Na uva tem isso: às vezes tu tem uma produção menor e acaba reservando energeticamente à planta melhores condições para ela entregar um fruto de maior potencial, no qual tu consegue extrair vinhos de mais camadas e que vão atender justamente essa demanda de vinhos melhores e mais premium. Então a gente classifica essa safra 2024 como muito boa”.
*Com informações de Decanter, Silicon Valley Bank (SVB), Wine Spectator
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