Ruído na sola: O impacto de uma publicidade mal calibrada na imagem das Havaianas.
- Tela Tomazeli | Editora
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REFLEXÃO
A campanha "Com os dois pés", desenvolvida pela agência GALERIA.ag e produzida pela Conspiração Filmes, nasceu com a ambição de ser um marco cultural. Ao escalar Fernanda Torres — que vivia um momento de glória internacional com o filme Ainda Estou Aqui — a Havaianas buscava elevar seu branding a um patamar de sofisticação e prestígio global. Dirigido por Andrucha Waddington, o filme publicitário apostava na leveza e no carisma da atriz para subverter a superstição de "entrar com o pé direito" no ano novo, incentivando o público a mergulhar no ciclo que se iniciava "com os dois pés" calçados com as icônicas sandálias. Contudo, o que foi planejado como um trocadilho inofensivo e otimista tornou-se o gatilho para uma das maiores crises de imagem da história recente da Alpargatas.
O epicentro da crise foi uma "armadilha semântica" que a agência e o marketing da marca não foram capazes de prever. Em um Brasil onde a polarização política molda a percepção de consumo, a frase "não comece com o pé direito" foi rapidamente descontextualizada por grupos conservadores e interpretada como um manifesto ideológico subliminar. A escolha de Fernanda Torres, figura historicamente associada a pautas de esquerda, serviu como o catalisador perfeito para que narrativas de oposição ganhassem tração. O mercado publicitário, através de análises no portal Meio & Mensagem, classificou o episódio como um erro de "miopia de bolha", onde a estratégia focou excessivamente no prestígio artístico e ignorou a sensibilidade de uma base de consumidores massiva que lê símbolos sob lentes partidárias.
Os reflexos dessa falha de percepção não tardaram a aparecer nos indicadores financeiros. Apenas um dia após o pico das convocações de boicote nas redes sociais, as ações da Alpargatas (ALPA4) registraram quedas que variaram entre 2,4% e 3% na Bolsa de Valores (B3). Analistas de bancos como BTG Pactual e XP Investimentos apontaram que a perda da "unanimidade" ( o maior ativo intangível da Havaianas), gerou insegurança no mercado de capitais. O impacto foi tão contundente que a marca adotou um recuo estratégico imediato, ocultando os vídeos da campanha de suas redes sociais, o que foi interpretado por especialistas em gestão de crise como uma admissão silenciosa de erro tático diante de um risco reputacional incontrolável.
Na ponta final do negócio, os franqueados da marca foram os que mais sentiram a pressão. Relatos colhidos em canais como Mercado & Consumo e fóruns de lojistas indicaram que a crise transbordou para o balcão das lojas, com clientes questionando o posicionamento da marca e, em alguns casos, desistindo da compra de presentes. Este movimento gerou o chamado "Efeito Ipanema": a marca concorrente, do grupo Grendene, viu sua popularidade disparar e foi utilizada por influenciadores e políticos como uma "alternativa patriótica", transformando o ato de calçar um chinelo em um voto ideológico. Para os franqueados, o maior prejuízo foi o comprometimento do fluxo de vendas no período mais rentável do ano, o Natal, forçando a companhia a investir em ações de trade marketing mais neutras para recuperar a confiança dos parceiros comerciais.
Por fim, o caso revela um paradoxo internacional. Enquanto no exterior a Havaianas consolidava seu soft power e prestígio (onde Fernanda Torres é vista puramente como uma estrela mundial), no Brasil a marca lutava para se reconectar com sua essência democrática. A lição que fica para a publicidade brasileira em 2025 é que a neutralidade absoluta tornou-se quase impossível para marcas de massa. O episódio prova que a criatividade agora exige um filtro de risco ideológico rigoroso: para continuar sendo a sandália que "todo mundo usa", a Havaianas precisará, daqui em diante, redobrar o cuidado para que sua comunicação não escolha lados em um país que ainda não aprendeu a separar o consumo da política.
Fontes Consultadas e Referências:
Financeiras: Dados de desempenho das ações ALPA4 via InfoMoney, Valor Econômico e relatórios de analistas do Santander e BTG Pactual.
Publicitárias: Análises técnicas de branding e copywriting publicadas pelo portal Meio & Mensagem e Propmark.
Varejo e Franquias: Reportagens sobre o comportamento do consumidor e impacto em PDV via Mercado & Consumo e Portal do Franchising.
Monitoramento Digital: Métricas de engajamento e migração de seguidores via Social Blade e monitoramento de trending topics.
Institucionais: Ficha técnica oficial da GALERIA.ag e comunicados de imprensa da Alpargatas S.A.






































































